Hoje, enquanto olhava postagens
no facebook, minha filha viu a foto de uma mãe negra com seu bebê no colo. ‘Que
lindo papai!’, disse ela. ‘É uma representação de Jesus com Maria, filha.’ ‘Não,
papai. Jesus é branco!’. E lá fui eu tentar explicar essa impossibilidade
histórica tomada como verdade na Igreja, mesmo que banhada de racismo. Foi lá,
na Igreja, que minha filha de 8 anos aprendeu que ‘Jesus tem olho azul’.
Inclusive na Igreja em que fui pastor. Inclusive durante meu pastorado, por mais
progressista que me julgasse.
Domingo passado visitei uma
Igreja. Lá, ouvi o pastor dizer algo assim: ‘2015 foi um ano difícil. Crise
econômica, recessão, desemprego. Mas nós não tememos nada, pois nosso patrão é
Deus. Quem nos guarda é Deus. Quem nos sustenta é Deus’.
Era uma igreja de classe média
alta. É bem possível que aquele pastor temesse, ao menos um pouco, se
trabalhasse numa igreja de membresia empobrecida.
Há alguns anos, visitei o
Acampamento Batista Carioca. É um sítio em Três Rios, no interior do Estado do Rio de Janeiro
(https://www.youtube.com/watch?v=LZOWXzIuFpo).
É um lugar agradável, com piscinas, campo de futebol, capela, dormitórios,
muito verde...
Naquele sítio há algo que nos
remete às páginas mais sombrias da História do Brasil. Um tronco utilizado para
prender escravos. Possivelmente, houve naquele sítio, em algum momento do
passado, negr@s escravizad@s.
Hoje, quando me lembro daquele
tronco, me vem à mente a frase escrita nele: ‘Cristo, Verdade que Liberta’. É
quando me sinto envergonhado de ter, um dia, olhado para aquilo como algo que
se devesse valorizar.
O autor da inscrição
provavelmente não fez por maldade. Eu também, quando valorizei aquilo, não o
fiz de caso pensado, anulando um símbolo de morte. O que eu sabia, na ocasião,
era que mais temível que a escravidão do corpo é a escravidão do espírito. Mais
temível que morrer no tronco, seria morrer sem Cristo e ir para o Inferno.
É a essência do fanatismo
religioso evangélico: a visão puritano-pietista de Deus como a única realidade.
O único jeito de ver o mundo. A única explicação para tudo. A saída. A
resposta. O sustento...
Em nome disso, tomamos como
banal, trivial e até poético, anular o peso de dor, crueldade e carnificina, de
um tronco usado para prender escrav@s. Onde pessoas sangravam. Agonizavam. Eram
selvagemente torturadas. Mortas.
Usar aquele tronco como metáfora religiosa é,
para além de alienante, tremendamente desumano.
Na escola, estudamos capítulos
monstruosos da História com clareza. Ficamos indignados com a capacidade humana
de fazer o mal. Sentimos dor na alma ao nos depararmos com a verdade
incontestável de que o Cristianismo foi coautor de diversas empreitadas
terríveis.
Mas, ainda assim, aquele tronco
permanece lá. É, para mim, um sinal de que continuamos os mesmos.