Olá.
No emaranhado de minhas memórias e
sentimentos, é difícil encontrar um fio.
Aos poucos, vou rascunhar as lembranças e
deixá-las para a posteridade. Algumas mais detalhadas, outras só de passagem.
Todas, de igual modo, são mais do que se pode ler. Por isso estão aqui.
Iniciei minha vida como pastor de uma
igreja aos vinte e três anos (23!). Tinha passado naquela comunidade meus
últimos oito anos. Fervorosamente. Domingos, quartas, quintas, sábados... Não
sei quantas horas da minha existência se deram sentado-ouvindo ou em pé-falando
numa igreja.
Líder de Adolescentes - como adolescente,
de Jovens - sendo jovem, professor de Escola Bíblica, Superintendente de Escola
Bíblica, Dirigente de Culto, Pregador Leigo, Dirigente de Estudos Bíblicos,
Tesoureiro, Seminarista, Pastor...
Ao todo, foram dezesseis anos (16!) como
membro de uma igreja de cunho puritano-pietista-fundamentalista. Metade da
minha vida...
Talvez essas informações indiquem o rumo
das próximas linhas.
Vamos tratar de reminiscências...
Vim para o Rio de Janeiro no calor dos
meus 15 anos. Era o verão de 1998.
Por diversas razões, sobretudo pelos
vários aspectos de fragilidade, nossa família passou a frequentar a igreja da rua.
Quase na frente de casa. Um bairro humilde, uma rua com asfalto pela metade,
num rincão da Cidade Maravilhosa.
Encontramos um pastor idoso. Homem forte.
Vigoroso. Com uma forte experiência de conversão ao protestantismo. Professor
de Seminário. Dono de uma capacidade quase única de ser pastor de ovelhas.
Fiz-me uma. Ele dizia, eu fazia. Era um pouco pai, professor, protetor.
Referência do adolescente magrelo-nervoso na cidade grande.
Ganhei uma Bíblia de um irmão. Com
versículos sublinhados. Comecei a frequentar a Classe de Novos Convertidos.
Aprendi músicas. Aprendi a separar o Antigo do Novo Testamento. Aprendi que João
Batista é um, João Evangelista é outro. Aprendi que tudo o que eu sabia sobre
Deus, céu, inferno, batismo, eucaristia e igreja precisava ser revisto. Agora,
à luz da Bíblia. À luz de Deus. À luz do testemunho da comunidade.
Ouvi, como esponja, horas de pregação.
Aprendi a orar em público. A testemunhar da "minha" fé. Ouvi de gente
que mudou de vida. Que foi curada de doenças. De gente que teve um 38 no peito,
com o gatilho puxado, sem a bala sair. Tudo para a glória de Deus.
Vi um amigo tomar um tiro na perna. Uma
bala que ricocheteou no chão e perfurou sua panturrilha. Ele era "da
igreja" e estava no Maracanã, num domingo de Vasco e Flamengo. Quem
mandou?! Mas era muito difícil escolher entre Deus e aquele Vasco de 97, 98...
Vi, pela primeira vez, a truculência da polícia.
Tiro pra cima. P2 entrando na nossa casa. Tiroteio na rua. Amigos no tráfico.
Drogas.
Para um mundo louco como esse, a igreja
era a solução perfeita. Eu falava e lia bem. Era considerado inteligente. Fui
logo recrutado para dirigir os cultos. Fui (re)batizado em outubro de 98. Uma
semana antes já havia pregado no culto principal da igreja. Aos 16 anos. Com o
terno velho do meu pai. Com o velho pastor lá, atrás de mim, me ouvindo, me
segurando, me guiando.
Aquela comunidade me acolheu. Senti-me
valorizado. Apreciado. Tinha espaço. Tinha um mundo inteiro ainda para
conhecer. Parecia mais seguro ficar ali do que desbravar os desafios dessa
cidade perigosa. Minha mãe estava grata. Minha família caminhava para a igreja.
Mas, de alguma forma, eu não tinha o mesmo
testemunho de outros. Não havia sido drogado, nem me prostituído (isso na
igreja significa muitas coisas), era bom filho, estudioso, nerd, comportado...
Que mudança poderia indicar o "novo nascimento", a conversão?
O grande desafio da minha vida particular
era... namorar. Eu era - talvez ainda seja - muito medroso. Era magrelo. Só
tinha cabeça. Não havia nada em mim que despertasse o desejo feminino. Pelo
menos, assim pensava. Aos quinze anos meu corpo transpirava hormônios. Minhas
cuecas conviviam com a polução noturna. Passaram a conviver ainda mais depois
que eu descobri que masturbação era pecado e quando conseguia encarar uns dias
sem "tocar uma".
Meu irmão do meio debochava da igreja.
Ateu. Até hoje. Foi dele que veio meu maior desafio e minha maior bandeira. Ele
morava sozinho, no outro lado do bairro. Fui dormir na casa dele, para me
divertir no computador. Quando a noite caiu, uma amiga dele chegou. Ele saiu e
disse: "Léo, ela vai dormir aqui. Tá contigo".
Fiquei extremamente nervoso. Ansioso. Não
conseguia nem olhar para a mulher. Parecia bonita. Era uns 5 anos mais velha que
eu. Lá, entre um jogo e outro, ouvi: "Ei, me ajuda aqui". Olho para
trás e vejo uma bunda coberta por uma calcinha finíssima. A amiga do meu irmão
segurava uma seringa e me pedia para ajudá-la a aplicar o contraceptivo. Era o
próprio diabo me convidando...
Eu havia acabado de retornar de um
congresso de sexualidade sadia. Acho que o tema era algo como "Quem ama,
espera". Estava coberto de receitas para evitar o contato sexual ilícito.
Mas, carx leitorx, a energia sexual da minha
adolescência falava mais alto do que os acordes dos hinos. Levantei do
computador e fui para o banheiro. Tomei um banho frio. E nada. Orei. Pedi a
Deus que me ajudasse. Olhei para aquele órgão santo-profano e lhe dei uma boa
surra de cinco dedos. Expulsar a abundância de esperma me relaxou.
Quando saí do banheiro, a mulher dormia.
Só havia um colchão, no chão da casa. De casal, ao menos. Fiquei mais um tempo
no computador, a fim de garantir o sono da Besta. Deitei-me quase no chão,
tentando me manter o mais distante possível daquele fruto proibido. Ela, como
serpente, se arrastou para mim, me enrolou com suas pernas. Eu, com a força de
Daniel, saí daquela cova dos leões. Fui para o outro lado da cama. Querendo
muito, sem poder querer nada.
Olhei. Admirei. Mas não comi. Era muito
melhor que Adão. E, agora, tinha uma excelente história para contar.
Dormi. Quando acordei, meu irmão me
repreendeu. Chegou da noitada e ainda teve que resolver o problema da mulher.
Contou tudo para meu pai. Fui repreendido e indagado acerca da minha
sexualidade. Com orgulho, meu troféu espiritual agora era alvo de perseguição
na família.
Todos os meus amigos ficaram sabendo do
ocorrido. Ganhei deboche e respeito. Os mais abusados, quando me avistavam,
onde quer que fosse, gritavam: "Virgem!". Eu me envergonhava. Mas
domingo estava logo ali... Era hora de exibir minhas medalhas. Era tempo de
reproduzir tamanha força.
Minha coroa completa. Eu amava aquilo. E,
portanto, havia decidido esperar. Conservar meu coração e corpo puros para o
Senhor.
O pacote estava fechado. Com laço e tudo.
Adolescentes, jovens e idosxs gostavam de ouvir minhas pregações, orações e
ensinos. Um pacote (quase) completo de heroísmo bíblico.
Se você conseguiu ler até aqui, parabéns.
Sei que é difícil. Viver também foi.
Caro Leonardo,
ResponderExcluirFiquei por alguns minutos pensando o que escrever...muitas lembranças me remeteram a patlrtir da leitura de teu texto. Que bom que escreveu sobre tuas reminiscências...acabei voltando às minhas. Aguardando os próximos textos, parabéns!
Que bom, Ana Paula.
ExcluirAs palavras são mágicas.
Se tudo der certo, toda segunda tem texto novo.
Obrigado pelo carinho!
Morrendo de inveja da sua capacidade de elaboração. 7 anos de terapia não desfizeram o estrago q 28 numa batista tradicional, mais o resto da vida numa batista pseudo-progressista (e o casamento com um seminarista) fizeram.
ResponderExcluirNossa, como me identifico com seus escritos! Há alguns meses acordei do coma que esta "Igreja" tradicional me colocou... e como é bom saber que não estamos sós.. me lembro do livro "Fernão Capelo Gaivota". Obrigada por compartilhar!
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