segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Se trepar, a Ceia não vai tomar!














Fui católico durante a minha infância em Valença, no interior do Estado. Nominal, ao menos. Fiz catecismo, primeira comunhão. Minha mãe me ensinou que eu jamais poderia comungar – receber a comunhão na missa – sem que antes me confessasse. Eu obedecia. Procurava o padre antes da missa. Ele me fazia perguntas básicas: masturbação, passar a mão em meninas, mentir e desobedecer. Ouvia as respostas. Indicava a penitência. Cumpri umas três ou quatro vezes...

Uma das mais terríveis e cruéis formas de dominação da Igreja sobre a vida de alguém é a repressão da sexualidade dos jovens e adolescentes.

E olha que eu nem estou falando de diversidade sexual, mas do padrão heteronormativo. Esse secularmente aceito, e bizarramente repelido nos arraiais evangélicos.

Como você sabe, fui evangélico durante dezesseis anos. Metade da minha vida. Quase toda a minha juventude. Falo do que vivi. Do medo. Do peso. Da dor. Da culpa.

Em nosso meio, os ritos, que não são vistos como sacramentos, são utilizados como forma de se estabelecer controle e distinção entre os “espirituais” e os “carnais”.

Por exemplo: o indivíduo, para ser batizado, precisa confessar publicamente que não bebe, não fuma, não serve aos “ídolos”, não joga no bicho. Se casado, tem que ser no papel. Se solteiro, e virgem, deve prometer guardar-se da prostituição. Se solteiro, mas já “iniciado”, deve confessar abstenção até o casamento.

Se reza essa cartilha, é batizado. A partir de então, pode participar da “Ceia do Senhor”, a versão protestante da Comunhão/Eucaristia.
No entanto, ainda assim, ou agora ainda mais, o controle e a fiscalização são fortíssimos. Se depois de batizado, o infeliz “cair em pecado”, o discurso oficial veda sua participação na Ceia, até que a “comunhão com Deus” seja restabelecida.

Em função disso, as pessoas que sinceramente querem “servir a Deus”, se excluem da participação.

Vão aos cultos. Cantam. Oram. Leem a Bíblia. Dão o dízimo. Mas não comungam do pão e do vinho.

Nos meus tempos de pastor, praticávamos na Igreja a chamada “Ceia Aberta”. Significa dizer que todos os que estivessem no culto, cristãos ou não, eram convidados a comer do pão e beber do vinho.

Ainda assim, algumas pessoas, membros da Igreja, deixavam de participar por se sentirem “em pecado”.

Certa vez, enquanto os diáconos distribuíam o pão e o vinho, percebi que um casal de jovens namorados não quis receber. Era mais que uma confissão de culpa. O que eles estavam fazendo de “errado”? Que tipo de sentimento nutriam em relação a si mesmos?

Chamei-os para conversar. Não acredito que tenham ficado preocupados com o teor da conversa. Éramos amigos.

Iniciei o bate-papo perguntando se estavam usando algum contraceptivo. Aquela pergunta os desarmou. Tentei encorajá-los a construir o amor, sem culpa. Disse com clareza: a Ceia é a celebração de um compromisso de vida. De comprometer a vida com a transformação do mundo, não temendo nem a morte. Se vocês estão nesse caminho, participem!

A partir daquele dia, a mesa estava, de novo, aberta para eles.

Claro que nem sempre agi assim. Errei e acertei. Sei que também reproduzi esse discurso baixo de culpa e controle. Mas acho que aprendi.

Sem amor, a Ceia, que deveria ser um momento de integração, união e comunhão, transforma-se em instrumento de opressão e dor. A Igreja, que deveria sinalizar a paz, promove a culpa.


Se é para radicalizar a leitura do texto bíblico, que se faça: Judas e o inconstante Pedro estavam presentes naquela hora da última Ceia. Jesus lhes deu lugar à mesa. Por que qualquer pessoa ficaria de fora?

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