Fui católico durante a minha
infância em Valença, no interior do Estado. Nominal, ao menos. Fiz catecismo,
primeira comunhão. Minha mãe me ensinou que eu jamais poderia comungar –
receber a comunhão na missa – sem que antes me confessasse. Eu obedecia. Procurava
o padre antes da missa. Ele me fazia perguntas básicas: masturbação, passar a
mão em meninas, mentir e desobedecer. Ouvia as respostas. Indicava a
penitência. Cumpri umas três ou quatro vezes...
Uma das mais terríveis e cruéis
formas de dominação da Igreja sobre a vida de alguém é a repressão da
sexualidade dos jovens e adolescentes.
E olha que eu nem estou falando
de diversidade sexual, mas do padrão heteronormativo. Esse secularmente aceito,
e bizarramente repelido nos arraiais evangélicos.
Como você sabe, fui evangélico
durante dezesseis anos. Metade da minha vida. Quase toda a minha juventude.
Falo do que vivi. Do medo. Do peso. Da dor. Da culpa.
Em nosso meio, os ritos, que não
são vistos como sacramentos, são utilizados como forma de se estabelecer
controle e distinção entre os “espirituais” e os “carnais”.
Por exemplo: o indivíduo, para
ser batizado, precisa confessar publicamente que não bebe, não fuma, não serve
aos “ídolos”, não joga no bicho. Se casado, tem que ser no papel. Se solteiro,
e virgem, deve prometer guardar-se da prostituição. Se solteiro, mas já
“iniciado”, deve confessar abstenção até o casamento.
Se reza essa cartilha, é
batizado. A partir de então, pode participar da “Ceia do Senhor”, a versão
protestante da Comunhão/Eucaristia.
No entanto, ainda assim, ou agora
ainda mais, o controle e a fiscalização são fortíssimos. Se depois de batizado,
o infeliz “cair em pecado”, o discurso oficial veda sua participação na Ceia,
até que a “comunhão com Deus” seja restabelecida.
Em função disso, as pessoas que
sinceramente querem “servir a Deus”, se excluem da participação.
Vão aos cultos. Cantam. Oram.
Leem a Bíblia. Dão o dízimo. Mas não comungam do pão e do vinho.
Nos meus tempos de pastor,
praticávamos na Igreja a chamada “Ceia Aberta”. Significa dizer que todos os
que estivessem no culto, cristãos ou não, eram convidados a comer do pão e
beber do vinho.
Ainda assim, algumas pessoas,
membros da Igreja, deixavam de participar por se sentirem “em pecado”.
Certa vez, enquanto os diáconos
distribuíam o pão e o vinho, percebi que um casal de jovens namorados não quis
receber. Era mais que uma confissão de culpa. O que eles estavam fazendo de
“errado”? Que tipo de sentimento nutriam em relação a si mesmos?
Chamei-os para conversar. Não
acredito que tenham ficado preocupados com o teor da conversa. Éramos amigos.
Iniciei o bate-papo perguntando
se estavam usando algum contraceptivo. Aquela pergunta os desarmou. Tentei
encorajá-los a construir o amor, sem culpa. Disse com clareza: a Ceia é a
celebração de um compromisso de vida. De comprometer a vida com a transformação
do mundo, não temendo nem a morte. Se vocês estão nesse caminho, participem!
A partir daquele dia, a mesa
estava, de novo, aberta para eles.
Claro que nem sempre agi assim.
Errei e acertei. Sei que também reproduzi esse discurso baixo de culpa e
controle. Mas acho que aprendi.
Sem amor, a Ceia, que deveria ser
um momento de integração, união e comunhão, transforma-se em instrumento de
opressão e dor. A Igreja, que deveria sinalizar a paz, promove a culpa.
Se é para radicalizar a leitura
do texto bíblico, que se faça: Judas e o inconstante Pedro estavam presentes
naquela hora da última Ceia. Jesus lhes deu lugar à mesa. Por que qualquer
pessoa ficaria de fora?
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