As leituras que fiz quando saí do
Seminário me sacudiram a alma. Minha cartilha da salvação não respondia às
perguntas trazidas pela realidade da minha comunidade.
Certa vez, lendo um romance do
Theissen – “À sombra do galileu” – fui surpreendido por uma proposta ousada.
Ele me encorajava a ver a “multiplicação dos pães” com outros olhos. A começar
pelo título. Em nenhum momento o texto dos evangelhos fala em “multiplicação”. Jesus
está cansado de caminhar com a multidão. Manda que se sentem. Toma em mãos a
oferta de uma criança – 5 pães e dois peixes. Era normal para os padrões da
época e do local, segundo a proposta, que os biscateiros, ao saírem de casa na
madrugada, levassem um punhado de pão de cevada e um peixe seco dentro da capa.
O desjejum era a principal refeição de quem iria enfrentar o desafio de
conseguir um trampo ao longo do dia. Assim, ao ver a multidão cansada, com
muitos famintos e miseráveis, Jesus decide ensinar a partilha. Pega em suas
mãos a marmita do menino, dá graças e a reparte. Vendo tão nobre e corajoso
gesto, as pessoas aderem, dividindo o que trouxeram. Dá e sobra para que todxs
se alimentem.
Claro que propor essa leitura
numa comunidade conservadora é tremendamente desafiador. Mas eu fiz. O texto me
tocou e eu acreditei que poderia tocar outras pessoas também.
Ao fim da exposição, perguntei: “Qual
seria o maior milagre: Jesus multiplicar o pão ou aprendermos a dividi-lo?
Pedir a Deus a solução ou encontrar aquela que está em nossas mãos?”.
Vi gente indo embora antes da
oração final.
Em 2009, fiz um curso do
CEBI (Centro de Estudos Bíblicos), em Vitória-ES. Foi parte do meu processo de
imersão no diálogo ecumênico, na leitura popular da Bíblia e numa exegese ‘libertadora”.
Um mês de convivência, basicamente com católicxs da libertação de todo o
Brasil. Meu único período de “férias” em quase oito anos de pastorado.
Lá conheci pessoalmente alguém
que sigo admirando muito. Nancy Cardoso Pereira. Aquela mulher estudou conosco
o Levítico. Inesquecível. Cantando Chico Buarque e muitxs outrxs, navegamos em
múltiplas e diversas experiências.
É óbvio que minha crise com o
modelo de igreja a que pertencia se acentuava. Era incompatível ganhar o bairro
“para Cristo” e trabalhar pela emancipação das pessoas. Pela minha, sobretudo.
Num dado momento do curso,
descobrimos que a palavra hebraica traduzida em nossas Bíblias como pé era uma
espécie de eufemismo para “pênis”. Por isso Davi mandou Urias para casa, “lavar
os pés”, quando este retornou do campo de batalha com sua esposa já grávida.
Daí Rute se deitar aos pés de Boaz...
Tanto a Bate-Seba de Davi como a
Rute de Boaz eram mulheres da genealogia de Jesus, segundo Mateus. Além delas,
Raabe e Tamar. Todas mulheres com histórias e vivências sexuais distantes dos
padrões malafaianos.
Voltei de Vitória enlouquecido.
Num domingo de manhã, na hora em que deveria pregar, dividi a Igreja em quatro
grupos. Cada grupo trabalhou a história de uma mulher: Tamar, Raabe, Rute e
Bate-Seba. Os grupos se apresentaram e eu acrescentei os detalhes. Entre eles,
o pé(nis).
A ideia era sacudir aquela fé
desencarnada. Como eu estava sacudido. Temo que seja muito disso que vivemos:
nosso ambiente de culto é “espiritual”. Mas a vida é vivida na carne mesmo.
Talvez explique a divisão da vida. Dos dias. Dos hábitos. Das palavras. E toda
a hipocrisia e a sequidão resultantes disso.
Quando os grupos terminaram, li a
genealogia de Mateus. Somente aquelas “moças de família” são mencionadas na
história. Ouvi o silêncio. Senti corações palpitarem. Como a Bíblia poderia
registrar algo assim?
É incrível o choque que provoca
em nós uma leitura do texto feita sem os óculos do fundamentalismo. Experimente
ler a Bíblia sem buscar nela o “Plano de Salvação”, o céu, o inferno o ou o
diabo. Você vai gostar. A Bíblia tem histórias muito loucas. Safadas. Vadias.
Como a nossa vida mesmo...
Tem gente que reage nos
corredores. Lá na Igreja tinha gente assim. Mas há gente que fala na hora.
Da turma que se levantou antes da
oração final naquela proposta de leitura da “multiplicação”, uma senhora,
professora da Escola Dominical, me indagou:
“Pastor, ainda bem que Cristo
desfaz tudo isso. Por que se isso for verdade, então Jesus lavou o pênis dos
discípulos?”
Era melhor que ela tivesse ido para casa, comer três putas. Quem tem olhos para ler, leia.
Era melhor que ela tivesse ido para casa, comer três putas. Quem tem olhos para ler, leia.
não sei se dá pra saber qual parte do texto é pior... é tudo um total absurdo.. e olha que nem sou fundamentalista.
ResponderExcluirVamos conversar sobre os absurdos? Seja mais específico!
ExcluirA questão não está fechada, certo? Há opiniões divergentes...
ResponderExcluirVocê por algo que aconteceu em sua vida, está completamente equivocado, matando ovelhas, não tenho formação teológica mas sei um pouco da bíblia, por mais que você venha a falar milhares de coisas me reprimindo, uma coisa vou falar e tente pensar o inimigo está atuando em sua mente e sua intelectualidade a ponto de você usar um livro que é a palavra do DEUS vivo, como pretexto pra por dúvidas nas cabeças de muitas pessoas e distorcer a verdade.
ResponderExcluirRespeito sua posição.
ExcluirMas você fala a partir da sua experiência religiosa. Esse não é o único lugar de onde se pode falar. Não é a única visão. Não é, para o mundo, a verdade.
Entende?
Por pensar e enxergar de forma distinta, vc atribui minha visão/interpretação ao "inimigo".
Não me surpreendo, todavia me assusto com uma pessoa que passa vários anos estudando em um seminário, fazer tal comentário. Pois alem de vazio, é simplesmente desrespeitoso, porém tudo que o homem semear certamente colherá! Deus tenha misericórdia de ti.
ResponderExcluir"vazio", "desrespeitoso", "colherá".
ExcluirEntendi errado ou vc me alerta para o perigo do inferno?
Cara, Esqueça seminário, tudo que vc construiu e faça-se como criança e pergunte a ele se ele está satisfeito com isso que vc escreve, somente depois vê o que acontece, pode parecer infantil mas se vc quiser mudará a sua vida.
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