terça-feira, 17 de março de 2015

Ser pastor - ou ser humano -, num mundo desigual












Tomo a pena na mão, mais uma vez, depois de longas ‘férias’.

A razão que me move é simples: a crescente onda de insatisfação e tensão, escancaradas desde a última sexta.

Ainda que pareça, pensar isso não é desviar o foco deste blog. Pelo contrário. Fui pastor numa comunidade de gente bastante humilde. Alguns poucos de classe média, é verdade. A imensa maioria de pobres.

Acho que já disse isso aqui antes. Não custa lembrar. Fui ‘ordenado pastor’ aos 23 anos. 2006. Eu ganhava, como pastor, R$ 1.600,00. Pagava aluguel e as contas da casa. Em 2007, minha filha nasceu. É claro que a grana não deu conta. Voltei a ter outro trabalho, além da igreja, a fim de complementar a renda. Com isso, pedi à igreja que reduzisse meu salário pela metade.

Era um peso enorme para mim, saber que algumas pessoas tiravam o dízimo de um salário mínimo. Como eu poderia ser sustentado por gente que ganhava menos do que eu? Como falar de dízimos e ofertas quando quase 30% do que a igreja arrecadava era para pagar meu salário? Ter outro trabalho me ajudava a lidar com isso. Fiquei mais leve para a igreja. Dava, como todos os outros, o meu dízimo.

Questões relacionadas a dízimos e ofertas sempre foram um desafio para mim. Cheguei a suspender o momento de arrecadação durante os cultos. Quem quisesse, que depositasse no gazofilácio. Depois percebi que, para alguns, aquilo era muito importante. O ato de caminhar e entregar, ainda que uma moeda, era uma forma de se sentir responsável por aquela obra. Era um esforço pessoal. Uma satisfação. Seja qual for a razão dessa crença, eu já não seria capaz de mudá-la. E, tirar isso das pessoas, seria um mal maior.

No último domingo, vimos diversas pessoas, a maioria da classe média-alta de SP, caminhando nas ruas, protestando – como repetia o mantra da Globo – contra a corrupção, o PT e a Presidente Dilma. Pediam mudanças. Pediam intervenção militar. Fechamento do congresso. Renúncia. Impeachment. ‘Fim da corrupção’. Justiça.

Não vou entrar no mérito da realidade dos que protestavam. São eles honestos? Será que as ‘lideranças’ do protesto desejam o melhor para o Brasil? Essa discussão você verá aos montes nas redes sociais...

Quero me ater a uma imagem. Uma foto. Compartilhei no facebook um artigo do autor da imagem. Esse artigo gerou um debate interessante em família.


Eis uma família que leva a babá do filho para o protesto. Ela, uniformizada, chama a atenção da criança para a ‘selfie’ que o patriarca quer fazer: ‘a família no protesto’.

Qual o problema da imagem, se a babá estava ali exercendo sua profissão?

Todos!

A ideia do protesto é mudança. Mudança para melhor. Para todos. Ou não?

A ideia do protesto é justiça, igualdade, direitos. Ou não?

Se eu acho errado ter uma babá? Ou uma faxineira? Ou uma empregada doméstica? Não. Claro que não. A questão é se admito ou não como essa relação se constrói e os problemas que ela envolve.

Acredito que nenhuma criança sonhe em se tornar babá. Ou faxineira. Ou muitas outras funções. São poucos os que se dão ao luxo de fazer o que gostam e de serem dignamente sustentados pelo salário desse trabalho. A grande maioria das pessoas faz o que dá pra fazer. Ou se contenta com salários e condições difíceis. Ou busca apenas o dinheiro. Salário e condições difíceis variam... Cada um enxerga isso a partir de sua própria realidade.

Pessoas que se tornam empregados domésticos, faxineiros ou babás, normalmente não escolheram essa ‘carreira’. Agarraram a primeira oportunidade em busca de sobrevivência. De pagar as contas. De sustentar os filhos. Por isso, não há negociação justa possível, salário justo possível para esse tipo de mão de obra. É, em muitos casos, a única chance, a única ocupação disponível. Isso não significa que seja uma ocupação menos honrosa ou vexatória. Ainda que, em muitas situações, empregados domésticos sejam tratados como escravos.

Logo surge a pergunta: mas o que leva alguém a não ter condições de escolher nada? A ter como única saída um trabalho como empregado doméstico? Certamente, a complexa rede de relações de poder que estão enraizadas em nossa sociedade. Milhões de pessoas não podem fazer escolhas. Alguém já decidiu por elas.

Nesse contexto, o indivíduo que luta por igualdade, leva para o protesto um monumento à desigualdade? Uma babá uniformizada? Alguém que está trabalhando no domingo, por um salário que, muito possivelmente, não satisfaz de maneira digna suas necessidades e as de sua família?
Esse é um retrato bem fiel da ‘vontade de mudança’ que esse protesto representou. Além, é claro, dos escudos da CBF, do desejo de ‘Aécio’, da seletividade de culpados, da crença de que o PT inventou a corrupção ou de que nunca se roubou tanto...

Eu tenho direito de ter um empregado doméstico? Claro. Mas preciso saber que a disponibilidade dessa mão de obra é fruto de um modelo de sociedade altamente excludente, em que eu posso chegar em casa e descansar, enquanto outro deixou tudo limpo e, mais tarde, limpará sua casa, se der tempo. E, claro, é bem provável que esse empregado, por mais faxinas que faça, ainda ganhe menos do que eu. Preciso saber também que existe uma legislação que protege esse tipo de trabalhador. Preciso ‘negociar’ os termos e condições. Se ele aceitar, ótimo. Se não, sei que existem, infelizmente, outros que aceitarão.

Esse é o jogo do capital. Eu tento vencê-lo. Tento mudá-lo.

Sou também vitima.

Sou também algoz.

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